quinta-feira, 29 de maio de 2014

Os laboratórios de Breaking Bad como metáforas

   Breaking Bad é só um pouco menos viciante do que metanfetamina, e se não se tornar um clássico da nossa cultura, com certeza vai ser ao menos um clássico eterno no meu recluso mundo pessoal. A razão para isso não é só sua ótima história e atores, mas todos os elementos narrativos (cenário, figurino, montagem, trilha) que permitem sua releitura constante.

   E eu pretendo falar apenas de um desses elementos só para você, leitor-que-pensa-que-a-série-é-foda, perceber que ela é Magnifcamente Esplendofodasticamente Foda. Eu vou falar de um dos principais símbolos da série, e a grande metáfora do relacionamento entre Walter White e Jesse Pinkman — os Laboratórios.

   Vamos nessa, Bitch!


Laboratório número 1 – O trailer(RV) de Jesse

American Addict Way of Life
   Estamos onde tudo começou, onde Jesse Pinkman, um jovem drogado e perdido da vida, e Walter White, um simples professor morrendo por causa de um câncer, se juntam para cozinhar a primeira fornada de metanfetamina. Um típico trailer norte-americano, ótimo para acampar e levar o ambiente doméstico para o seu passeio ao parque com a família — ou fabricar drogas no deserto.  As palavras-chaves aqui são doméstico, passeio e família.

Aqui a gente fica à vontade: só de cueca, sem cueca, cê escolhe
   A familiaridade desse veículo dá uma certa leveza às cenas e sugere o amadorismo de Jesse em química e a pobreza de recursos do laboratório (Walter teve que roubar instrumentos da escola em que trabalhava para ter com que trabalhar). Não se trata de um ambiente profissional; mas sim caseiro. E isso funciona muito bem para fortalecer os laços entre os dois personagens. Por ser um lugar pequeno, eles são forçados a se relacionar e compartilhar suas emoções, mesmo que não gostem. São episódios que vão estabelecer a dinâmica de professor e aluno, até torná-los cada vez mais próximos, numa dinâmica de pai e filho, chegando ao seu auge, quando Walter e Jesse produzem uma enorme carga do cristal mais puro, a blue meth, para a maior cadeia de tráfico — e de frangos empanados — dos Estados Unidos. Walter e Jesse estão mais unidos do que nunca, a partir daí é o início da decadência e o aumento do profissionalismo.
Dê adeus aos bons tempos

Laboratório número 2 - O laboratório vermelho

Fábrica de sonhos
   Industrial, enorme, aço reluzente, dezenas de dutos e silos com medidores, chão vermelho polido. A primeira vez que Walter White entra neste megalaboratório é como se estivesse sonhando acordado. É tudo o que ele sempre quis. A cena tem todo um ar de desejo infantil, principalmente pela introdução do breve parceiro de Walter White, Gale, que é uma criança adulta. Mas como estamos numa tragédia, não demora muito para que o sonho se torne um pesadelo.

   Se o trailer de Jesse era um pequeno empreendimento familiar, o megalaboratório representa as grandes cadeias, sedutoras, mas distantes e sem rosto. Em outras palavras, Walter White se vendeu, e mais tarde Jesse também. Cada vez mais a ambição supera a vontade de ajudar a família e a coisa não para por aí. Porém, existe resistência à tentação. Há um capítulo não fechado, ao qual nós temos que retornar.

   O nosso querido trailer persiste! O símbolo da união entre Jesse e seu Mr.White ainda esta por aí, mesmo que agora Jesse esteja trabalhando sozinho. É nele que Jesse vai se provar um químico eficiente, capaz de produzir a metanfetamina azul de Walter White. Infelizmente não há lugar para concorrência no mundo do tráfico, e eu diria que no capitalismo das grandes corporações em geral. E o pequeno produtor acaba esmagado. Literalmente. Numa das cenas mais emocionantes e tristes, nós vemos o trailer ser rasgado, amassado, quebrado e fodido num ferro-velho para apagar os rastros que levavam o policial Hank até Eisenberg. O trailer é destruído, e a relação entre seus antigos donos parece seguir o mesmo caminho.

Digam olá ao seu dono
   De volta ao megalaboratório, agora estamos com Walter e Jesse juntos de novo, sócios, fifty-fifty, e nada mais. A dinâmica professor e aluno passa a conviver com a rivalidade entre dois profissionais, que batem ponto e prestam contas. O tamanho grandioso do cenário faz com que os dois fiquem mais afastados, trabalhando muitas vezes sem nem se olhar, e permite que um se esconda do outro, contribuindo para um clima de desconfiança mútua.

   Mas de todas as características desse cenário, a mais agourenta e simbólica é a cor vermelha do chão. Com o uso de um ângulo de câmera que dá a fria visão de cima para baixo (plongé, na linguagem cinematográfica), nós vemos Walter e Jesse mergulhados no vermelho, símbolo da tentação, da perda da inocência, da violência, do perigo, da morte. A partir de então suas vidas estão manchadas de sangue, não importa o que façam. Quando eles saírem do laboratório vermelho de Gus Frings, eles saíram piores do que nunca...
Não sou especialista, mas acho que não se usa machado pra fazer metanfetamina

 Laboratório número 3- A sua casa
   ... Ou não.
   Onde estamos na história? Sim, Walter White, ou Eisenberg, se tornou praticamente o dono de todo o cartel de metanfetamina, sua amizade com Jesse foi reafirmada, seu câncer continua em remissão, sua vida familiar aos poucos começa a retornar e não há mais nenhuma ameaça em seu caminho. Bem, é isso aí, Eisenberg bateu na porta e a felicidade abriu para ele. Todo aquele papo de vermelho e o mergulho na violência parece papo furado. Bem, não. Pois agora estamos no terreno da ilusão, a ilusão que Eisenberg construiu para si. Estamos no novo laboratório: a sua, e a nossa, casa.
Brasil-sil-sil!
   Depois de fechar o contrato com Gus Fring tacando fogo no laboratório vermelho, Eisenberg começa a procurar por um novo e insuspeito lugar para voltar a cozinhar o cristal azul. E é Jesse que dá a ideia de utilizar um laboratório ambulante, que passaria de casa em casa, através da fachada de um serviço de dedetização de pragas. Já de cara duas coisas interessantes: a relação veneno-droga e o aumento da voz de Jesse diante daquele que foi seu mestre. Agora toda vez que uma casa do subúrbio precisa fechar para ser dedetizada, os dois chegam, fecham o perímetro de um cômodo(em geral, a sala) com uma lona de plástico semitransparente e instalam as máquinas. Eles cozinham e depois retiram tudo, deixando a casa como estava antes.Depois de fechar o contrato com Gus Fring tacando fogo no laboratório vermelho, Eisenberg começa a procurar por um novo e insuspeito lugar para voltar a cozinhar o cristal azul. E é Jesse que dá a ideia de utilizar um laboratório ambulante, que passaria de casa em casa, através da fachada de um serviço de dedetização de pragas. Já de cara duas coisas interessantes: a relação veneno-droga e o aumento da voz de Jesse diante daquele que foi seu mestre. Agora toda vez que uma casa do subúrbio precisa fechar para ser dedetizada, os dois chegam, fecham o perímetro de um cômodo(em geral, a sala) com uma lona de plástico semitransparente e instalam as máquinas. Eles cozinham e depois retiram tudo, deixando a casa como estava antes.
Ambiente familiar
   Aqui estamos numa mistura do trailer de Jesse com o laboratório vermelho, já que a preparação da droga acontece num ambiente doméstico, mas ao mesmo tempo com alta tecnologia industrial. Porém, diferente do trailer, há uma certa perversividade, já que não se trata da casa deles, mas sim da propriedade de outra pessoa. Além de somar mais um crime entre os vários dos personagens, indica como a droga invadiu a vida das famílias, onde muitas vezes há alguém viciado e que esconde isso ou é escondido até. São os crimes de Eisenberg destruindo a sua própria família; é o desejo de Jesse de ter uma família e acreditar que Mr. White é um pai para ele.
Isolamento
   Lá estão os dois, podemos vê-los, trabalhando todos os dias dentro de uma jaula de plástico que torna todo o exterior embaçado, como se o mundo tivesse se tornado uma miragem. Dois homens presos às suas ilusões. E vale ressaltar que aqui Walter e Jesse se tornam iguais em matéria de química, como mostra uma sequência maravilhosa com música em que os dois preparam uma fornada de cristal com movimentos completamente sincronizados. Depois, quando a sociedade entre eles termina, e Jesse é substituído por Todd, sua versão maligna, há uma sequência musical novamente, remetendo à anterior, em que Walter e Todd produzem cristal. A falta de sincronia entre os dois é gritante. Todd comete vários erros e Walter está visivelmente desanimado, fazendo um esforço incrível para recriar Jesse naquele mundo de ilusões. A natureza de qualquer ilusão, contudo, é frágil. Basta uma peça cair e nada mais faz sentido. Walter dá deus ao laboratório de miragens. 
Tarde demais.
DR


Laboratório número 4 - O laboratório da morte

   As máscaras caíram. O último laboratório mostra o que realmente foram todos os laboratórios da série — uma prisão. É um cenário descarnado, cru; um armazém cheio de sombras, desarrumado, o chão com uma cor fosca parecida com terra, mas com menos vida ainda. Parece muito mais vazio do que todos os outros laboratórios. Desolado. É o final da série, os personagens encaram a verdade por trás deles. Quando Walter White e Jesse Pinkman se reencontrarem, verão um ao outro como pessoas, sem mentiras, não mais professor e aluno nem pai e filho. E alguns encontrarão a liberdade, outros... bem, talvez. Mas todos encontrarão a verdade. No half-measures.

Menção honrosa - O laboratório na casa da tia de Jesse
No programa educativo de hoje, aprenda a fazer drogas em casa
   Como foi breve sua participação como laboratório da série, eu preferi não colocá-lo na narrativa da minha análise. Eles cozinham no porão da casa que Jesse herdou da tia, porque o trailer estava sendo vigiado ou algo assim. De certa forma é uma extensão do laboratório no trailer e representa um mergulho de Walter na vida de Jesse, se tornando uma figura familiar do rapaz. É o final da primeira temporada e agora nós já conhecemos mais de Jesse e seu passado. Contudo, esse laboratório tem uma importância crucial na série. É onde a metanfetamina azul faz sua primeira aparição. O cristal que vai despertar a cobiça de todo o cartel.

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