terça-feira, 16 de agosto de 2016

Stranger Things (sem spoilers) - Nancy através do espelho

Quando a discussão é Stranger Things, a galera começa a se perder nas teorias sobre o final ou nas várias referências aos anos 80, as existentes e as inventadas. Isso tudo é bacana, mas acaba que não se fala muito da série em si, da narrativa, construção dos personagens, atuação, estética etc. Então resolvi focar em um ponto que achei interessante na construção da personagem Nancy.

Uma coisa que me chamou atenção enquanto assistia Stranger Things é que volta e meia alguém chegava para a Nancy e mandava algo assim, “Essa não é você”. A melhor amiga dela fala isso e também o irmão do desaparecido Will, e se não me engano a mãe dela. E tudo isso porque a Nancy, a menina certinha, resolveu ir às festas com o playboy da escola e beber cerveja. Pô, gente, deixa a garota ué.
DR das amigas. Só faltou o "Você tá com inveja!"
Isso ficou na minha cabeça e mais para frente, quando Nancy desabafa o seu incômodo com a felicidade de aparência da sua família, eu percebo o quanto a história dela representa a série.

À primeira vista Nancy é uma adolescente que tem a vida perfeita, com sua bela casa de subúrbio, irmãozinhos, pais decentes, boas roupas, boas notas e uma aparência que chama atenção dos meninos de Hawkings. Mas essa vida possui uma dimensão paralela semelhante ao Mundo Invertido.

Sua família não é feliz nem infeliz, é apática; eles visivelmente não conseguem se conectar. A mãe chega a arrombar a porta do quarto da filha. A irmã caçula está sempre assustada. O irmão passa o dia no porão e esconde uma menina por quase uma semana. E o pai? Ted Wheeler é o típico homem que só perceberia que a mulher o largou quando o jantar atrasasse. O cara é alheio a tudo e a voz dele é naturalmente queixosa.
Sério, é a garotinha mais triste e assustada da TV!
Mas Nancy tem boas notas e um futuro garantido, certo? Não necessariamente, afinal ela é de uma cidade pequena cujo melhor emprego é fazer experiências em crianças. Ela vai ter que ir para cidade grande e competir por emprego com vários outros jovens de cidadezinha iguais a ela. E vale lembrar que se trata de uma mulher num mundo machista, e dos anos 80! Em nenhum momento na série sua inteligência é vista como algo positivo.

É fácil entender por que Nancy está cansada de ser perfeitinha e começa a fazer bobagens. A vida toda ela viveu uma fantasia e então viu o Mundo Invertido da própria família. Agora ela busca uma saída dessa ilusão, uma vida mais autêntica.

E existem vários pequenos detalhes que reforçam esse conflito entre fantasia e realidade que Nancy vive. No primeiro episódio, em sua primeira aparição, ela dá um fora no Dustin Dentes de Bebê (como ela pôde?!) e o menino frustrado reclama dela para o irmão, Mike, dizendo que ela não é mais legal (“She got a stick on her butt”, diz o poeta). Mike, como um típico irmão mais novo, responde que ela nunca foi legal. É quando Dustin diz: “Ela era legal. Lembra quando ela se vestiu de elfa na campanha da árvore?”
Os garotos fofocando sobre Nancy
Depois, quando os meninos precisam transformar Eleven numa garota mais comum para infiltrá-la na escola, eles recorrem às roupas antigas de Nancy. Curiosamente, há uma peruca loira no meio das coisas, muito provável de uma outra fantasia (ou fazia parte da roupa de elfa). O disfarce de menina comum de Eleven é bem caricato, quase me fez chorar por estragarem o estilo da Elle. Parecia algo que uma criança vestiria num seriado infantil dos anos 90, tipo Barney o dinossauro. E é interessante que sejam roupas da Nancy. Talvez para Nancy também servissem como disfarces de uma menina comum.
Eleven em seu Dia de Princesa
Então Barb de certa forma está certa ao confrontar a amiga. Aquela não era Nancy, mas Nancy nunca pôde ser ela mesma. Nancy é uma garota procurando uma passagem para sair de seu Mundo Invertido pessoal em que está presa. É significativo que ela seja uma das primeiras personagens a visitar o Mundo Invertido de fato. E justamente através de um portal em uma árvore, como uma típica elfa da floresta faria. Ela começa a enxergar uma realidade muito maior, uma nova possibilidade de existência, tomar café de noite e uísque de manhã, essas coisas
O Mundo Invertido
Nancy tem tudo a ver com a temática da série e é uma personagem que pode crescer muito numa possível 2º temporada. É claro que produções populares acabam frustrando ao não correrem riscos. Então não me surpreenderia se continuassem focando mais nos namoricos mesmo.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Utopia ou distopia?



Algumas semanas atrás o diretor Brad Bird (Os Incríveis) desabafou sua insatisfação com o culto ao pessimismo. Ele criticou o cinema e a mídia de alimentar a visão de um futuro apocalíptico. De dar uma desculpa para o público não agir. As pessoas pensam, “Foda-se, já que o futuro é uma merda mesmo, não vou fazer mais nada”. É preciso, defendeu Bird, inspirar a sociedade novamente a acreditar num futuro melhor. Daí ele fez o filme Tomorrowland.

O futuro de Brad Bird e Disney.

Agora, eu concordo com Bird. A gente precisa inspirar mesmo as pessoas. Nem tudo está uma merda, e a gente fica tão afundado nos problemas da modernidade que esquecemos o que alcançamos (combate à escravidão, liberdade sexual, novas formas de produção de energia), e aquilo que procuramos preservar. A questão é: existe alguma ficção utópica que realmente deu certo, ou sequer existe uma?

Eu quebrei a cabeça para pensar em alguma obra nessa linha, mas geralmente os grandes clássicos são distópicos: 1984, Planeta dos Macacos (uma utopia para os macacos, talvez?), A máquina do tempo, Blade Runner. O que costuma acontecer é uma utopia que se revela distópica ou um futuro neutro, onde há grandes avanços mas ainda há problemas a serem enfrentados. No Fim da infância, de Arthur C. Clarke, a humanidade chega a uma utopia e ao mesmo tempo ao seu fim, então fica num zero a zero.

A aldeia dos macacos em Planeta dos Macacos: O confronto.

A grande dificuldade de uma utopia realmente emplacar na ficção é que em um lugar perfeito, sem conflitos, sem questionamentos, não há histórias. Histórias se alimentam justamente de conflitos, da insatisfação dos personagens, de dilemas morais e éticos. Se tudo está ótimo, a sensação do espectador é que o personagem está reclamando sem razão, ou de que nada está acontecendo. É chato.

E Brad Bird, como bom e experiente contador de histórias, tem noção disso. Ele cria um “porém” na utopia de Tomorrowland. O problema é que ele dedicou muito pouco tempo do roteiro a esse conflito, ao vilão, e menos tempo ainda à resolução. A sensação é de que nada foi resolvido e que não se trata, afinal, de uma utopia. Está mais para uma distopia bem-intencionada.

Seria o fim de Interestelar uma utopia?

Eu realmente não me considero um otimista. Mas acredito em utopias. Desde que você saiba que elas podem ser inalcançáveis, está ótimo. As utopias são ideias, são um norte. Algo que nos move. O erro está em acreditar num paraíso decisivo, imutável, eterno e religioso. Ainda que atinjamos a utopia, ela vai ser apenas um momento. Pois a vida se trata de momentos.

Nós estamos sempre tentando alcançar esse ponto de equilíbrio, essa alegria que faz tudo parecer bom e no lugar certo. Mas ela, a alegria, sempre se vai, e recomeçamos de novo. Essa busca incansável pode parecer algo ruim enquanto estamos nela. Mas o momento, aquele momento, ele sempre faz valer a pena

Utopias podem existir, mas não para sempre. Logo vão ser substituídas por novas utopias até o fim da nossa espécie.

sábado, 30 de maio de 2015

Comentando Mad Max Fury Road



Somo a minha voz ao coro de elogios a Mad Max Fury Road. E antes que eu acabe explodindo, preciso liberar um pouco da adrenalina do filme aqui. Então lá vai uma rapidinha de coisas que me chamaram atenção.

A fantasia masculina

Se existe um Deus no universo do Mad Max, então é um garoto de 15 anos hiperativo.

Carros grandes saídos de comerciais do Hot Wheels, explosões, armas pra todo lado, hard rock, porrada, e nenhum segundo de reflexão. É uma sociedade infantilizada, em que boa parte da população é composta — e movida — por War Boys, garotos pálidos cuja expectativa de vida, o filme dá a entender, é tão pequena que nunca chegam à idade adulta. Todos sofrem de câncer, e o único sentido da vida deles é chamar atenção da péssima figura paterna do Immortan Joe e entrar para o Valhala, onde vão desfrutar de um McBanquete no céu.

Faz lembrar os milhares de jovens sempre dispostos a morrer como traficantes, policiais, soldados e terroristas, buscando acesso ao consumo e a um sentido de vida transcendente. (Sim, eu sei que é um filme mais pra entreter do que qualquer outra coisa, mas não significa que é um filme bobo e aleatório como muitos pensam. Assim como Gravidade, parece simples mas não é.)
Atravessando a cidade, aproveito pra passar no lava-rápido - HOTWHEELS!

A procura pela figura materna

Pode-se dizer que o filme é um grande épico sobre a busca de uma figura materna (e falo aqui como símbolo). Não uma busca por uma parideira, que é o papel da mulher na fortaleza de Immortan Joe, biológico apenas, mas pela mãe que protege e nutre.

As Esposas e Furiosa procuram algo como “a terra das várias mães” (não lembro o nome usado exatamente), elas querem proteção e amor. Mas descobrem que cabe a elas assumirem o papel e serem as mães dessa sociedade com que sonham. (A mudança de atitude é visível na relação da Esposa ruiva com Nux, o jeito como ele é acolhido e levado a repensar seu mundo).

E dá para dizer que Max assume o papel de uma figura paterna para essas mulheres e para a ideia de uma nova sociedade, ele é paternal sem ser paternalista. Ele dá força, protege quando necessário, mas não vai ditar o rumo que a sociedade vai tomar, como faz Immortan Joe.
Capable e Nux.


A teatralidade orgânica

Há toda uma teatralidade no filme, as pessoas se movem e agem de forma estilizada e usam frases de efeito. (What a lovely day!)

Volta e meia há uma cena em que uma personagem dialoga com várias outras juntas, formando uma espécie de coro, o que me remeteu a peças gregas antigas. Isso acontece quando Max encontra as Esposas e Furiosa pela primeira vez, quando uma das Esposas decide se separar e buscar o perdão de Immortan Joe, e quando Furiosa encontra sua tribo do Vale do Verde. Há sempre um diálogo e conflito entre indivíduo e tribo/coro.

Zack Snyder e Frank Miller tentaram fazer isso e falharam. No que 300 de Esparta e Spirit parecem afetação e exibicionismo (cabeças voando pela tela no 300), no Mad Max é coerente e orgânico.
Essa situação é mais complicada ainda do que parece.


Ação pensada

O problema da maioria dos blockbusters é que raramente você tem a sensação de que o/a protagonista corre realmente risco. O máximo que eles tentam fazer, pra dar peso à cena é matar coadjuvantes. É assim nos Vingadores, no 300 de Sparta,  em muitos filmes do James Bond, os últimos Duro de Matar, enfim, a lista é enorme.

A ação nesses filmes não possui um arco narrativo, momentos de clímax e antíclimax e pequenos e rápidos conflitos que o protagonista precisa resolver em segundos. O diretor George Miller resolve isso sempre colocando Max em desvantagem (preso no capô de um carro prestes a entrar numa tempestade, no meio do conflito entre outros personagens, como Furiosa e Nux, e no centro de dilemas morais, afinal Max deve salvar a própria pele ou se arriscar a salvar alguém, mesmo que seja inútil.)

É o que impede o filme de se tornar chato como tantos.
Max aproveitando a vista.


Detalhes interessantes

O jeito que Tom Hardy usa a voz, com grunhidos e palavras monossilábicas, passa a sensação de que Max fica muito tempo sozinho e, por isso, sente dificuldade em falar.

Quando Furiosa reencontra a tribo dela, há uma hora em que eles prestam uma homenagem a uma mulher que havia morrido (a mãe da Furiosa, se não me engano). Todos fazem um gesto com a mão, mas Furiosa, há muito tempo longe de sua cultura, se atrapalha um pouco. Sua expressão é ao mesmo tempo de reconhecimento e estranheza. Palmas para atuação da Charlize Theron.

Em uma cena em que Max briga no carro do guitarrista, é muito divertido ver em como o tempo todo o guitarrista só quer tocar guitarra, completamente alheio à porrada. Ele chega a colocar os braços em volta de Max para alcançar a guitarra.
 
As Esposas apresentam em boa parte do filme com roupas mais brancas do qualquer outro coisa em cena. No final, no entanto, as roupas assumem um tom amarelado próximo do deserto. Simbolizando, na minha opinião, que agora elas participam daquele mundo.

O filme parece ter sido gravado com menos quadros por segundo. Por causa disso os movimentos parecem saltar e tudo é mais acelerado e frenético do que o normal.
Furiosa num dia de bom humor.

terça-feira, 3 de março de 2015

Não abandone o ator - um ensaio sobre Dois dias, uma noite

Antes de mais nada, quero te perguntar uma coisa. Já reparou que a maioria dos dramas mais comentados (e às vezes premiados) incluem pelo menos uma das seguintes opções: cenas de gritaria, choro, abuso sexual, doença grave (mas que nunca deixa a pessoa muito feia) e morte? Parece que é impossível atingir a empatia do espectador sem o filme berrar “Olha como isso é triste!”. Parecem novelizações de programas de TV de tarde, em que o apresentador explora uma tragédia (ou torna uma bobagem em tragédia) durante duas horas.

"Sônia, você acha a sua existência realmente necessária no planeta?"
Até filmes pipocas apelam para o dramalhão. O Guardiões da Galáxia (considerado o filme divertido de 2014 pelas listas da internet) começa com uma mãe morrendo de câncer. A cena é legal e tudo mais, mas depois todos os personagens que aparecem no filme apresentam como principal ponto de empatia o fato de terem perdido sua família de uma forma ou de outra. E assim é em todos os filmes de super-herói e blockbuster.

Onde estão os pequenos desafios do dia a dia, como lidar com uma doença menos grave mas que pode marcar uma vida, a aventura de envelhecer, as pequenas torturas familiares, o desemprego? O maravilhoso da arte é dar peso às coisas banais. E é por isso que Dois dias, uma noite, dos irmãos Dardenne, é tão incrível. Por contar apenas uma história de uma mulher lutando por seu emprego e contra a depressão.
Pela cara da moça, definitivamente não é um filme sobre uma festa.
A não ser que seja as festas que eu dou em casa.
No filme, a operária Sandra (Marion Cottilard) precisa encontrar cada colega de trabalho e convencê-los a abrir mão de um bônus para ela continuar na empresa. E ela não faz grandes discursos, não é eloquente, apenas é uma mãe de família que precisa do seu salário; e suas palavras são quase sempre as mesmas durante o filme todo. Os seus colegas não estão em situação melhor. Um ou outro poderia passar sem o bônus, mas a maioria precisa do dinheiro tanto quanto ela. Esse é o maior conflito no filme.

E Sandra demonstra algo que muita gente perde de vista quando discute o papel da mulher no cinema. Uma personagem feminina forte não precisa ser declaradamente forte. Não precisa ser durona, ter caráter inabalável, força física ou características consideradas masculinas. Sandra está visivelmente fragilizada desde o início. Ela começa dormindo, se levanta com desânimo e cuida das tarefas de forma quase alheia. Não há energia nela. E quando recebe a notícia da demissão, ela desaba.

É preciso de muito apoio por parte do marido e de uma colega para convencê-la a enfrentar a situação. E aí entra a maestria da atuação da Marion Cottilard, ela realmente passa a sensação de como cada passo vencido exige esforço de Sandra. Com uma cena simples - ela falando com uma pessoa do trabalho pelo telefone - você nota a personagem ficando sem ar, as palavras saindo entrecortadas ao tentar explicar a situação. A cada instante parece que ela vai perder o controle e interromper a ligação.

Isso torna as cenas tão angustiantes que quando a protagonista consegue fazer qualquer coisa (bater na porta, erguer a cabeça, falar, levantar da cama e - nossa! que cena! - aguentar ouvir uma música diabolicamente triste e linda no carro), dá vontade de gritar e aplaudir. Ao mesmo tempo que, ao ver a personagem se enchendo de calmantes, você fica preocupado e deseja que ela desista e se poupe. O que dá a tudo um tom incrivelmente heroico e comovente.

Mas é preciso entrar mais no filme para enxergar como ela consegue uma história com grande habilidade. É hora de SPOILER. Por isso é melhor dar meia-volta e ver o filme se não viu.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Frente Vamos Reclamar do PT por Mais 4 Anos (Ou Por que Voto em Dilma)

Caricatura por Lula Palomenos


Você já fez alguma coisa na vida? Sexo? Omelete? Quebra-cabeça? Viagem? Um repositrônico iônico curvado recreativo? Se você consegue ler isso, suponho que tenha pelo menos mais de 5 anos, e por isso já fez uma dessas coisas (e se for o caso do repositrônico, por favor me conte o que é). E se você já fez qualquer coisa, sabe que nem sempre ocorre como imaginamos. Pode ser até melhor, ou decepcionante, ou, muitas vezes, simplesmente diferente. Porque a realidade é assim. Não é controlável, mas é enriquecedora porque sempre nos apresenta algo novo.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Os laboratórios de Breaking Bad como metáforas

   Breaking Bad é só um pouco menos viciante do que metanfetamina, e se não se tornar um clássico da nossa cultura, com certeza vai ser ao menos um clássico eterno no meu recluso mundo pessoal. A razão para isso não é só sua ótima história e atores, mas todos os elementos narrativos (cenário, figurino, montagem, trilha) que permitem sua releitura constante.

   E eu pretendo falar apenas de um desses elementos só para você, leitor-que-pensa-que-a-série-é-foda, perceber que ela é Magnifcamente Esplendofodasticamente Foda. Eu vou falar de um dos principais símbolos da série, e a grande metáfora do relacionamento entre Walter White e Jesse Pinkman — os Laboratórios.

   Vamos nessa, Bitch!


Laboratório número 1 – O trailer(RV) de Jesse

American Addict Way of Life
   Estamos onde tudo começou, onde Jesse Pinkman, um jovem drogado e perdido da vida, e Walter White, um simples professor morrendo por causa de um câncer, se juntam para cozinhar a primeira fornada de metanfetamina. Um típico trailer norte-americano, ótimo para acampar e levar o ambiente doméstico para o seu passeio ao parque com a família — ou fabricar drogas no deserto.  As palavras-chaves aqui são doméstico, passeio e família.

Aqui a gente fica à vontade: só de cueca, sem cueca, cê escolhe
   A familiaridade desse veículo dá uma certa leveza às cenas e sugere o amadorismo de Jesse em química e a pobreza de recursos do laboratório (Walter teve que roubar instrumentos da escola em que trabalhava para ter com que trabalhar). Não se trata de um ambiente profissional; mas sim caseiro. E isso funciona muito bem para fortalecer os laços entre os dois personagens. Por ser um lugar pequeno, eles são forçados a se relacionar e compartilhar suas emoções, mesmo que não gostem. São episódios que vão estabelecer a dinâmica de professor e aluno, até torná-los cada vez mais próximos, numa dinâmica de pai e filho, chegando ao seu auge, quando Walter e Jesse produzem uma enorme carga do cristal mais puro, a blue meth, para a maior cadeia de tráfico — e de frangos empanados — dos Estados Unidos. Walter e Jesse estão mais unidos do que nunca, a partir daí é o início da decadência e o aumento do profissionalismo.
Dê adeus aos bons tempos

Laboratório número 2 - O laboratório vermelho

Fábrica de sonhos
   Industrial, enorme, aço reluzente, dezenas de dutos e silos com medidores, chão vermelho polido. A primeira vez que Walter White entra neste megalaboratório é como se estivesse sonhando acordado. É tudo o que ele sempre quis. A cena tem todo um ar de desejo infantil, principalmente pela introdução do breve parceiro de Walter White, Gale, que é uma criança adulta. Mas como estamos numa tragédia, não demora muito para que o sonho se torne um pesadelo.

   Se o trailer de Jesse era um pequeno empreendimento familiar, o megalaboratório representa as grandes cadeias, sedutoras, mas distantes e sem rosto. Em outras palavras, Walter White se vendeu, e mais tarde Jesse também. Cada vez mais a ambição supera a vontade de ajudar a família e a coisa não para por aí. Porém, existe resistência à tentação. Há um capítulo não fechado, ao qual nós temos que retornar.

   O nosso querido trailer persiste! O símbolo da união entre Jesse e seu Mr.White ainda esta por aí, mesmo que agora Jesse esteja trabalhando sozinho. É nele que Jesse vai se provar um químico eficiente, capaz de produzir a metanfetamina azul de Walter White. Infelizmente não há lugar para concorrência no mundo do tráfico, e eu diria que no capitalismo das grandes corporações em geral. E o pequeno produtor acaba esmagado. Literalmente. Numa das cenas mais emocionantes e tristes, nós vemos o trailer ser rasgado, amassado, quebrado e fodido num ferro-velho para apagar os rastros que levavam o policial Hank até Eisenberg. O trailer é destruído, e a relação entre seus antigos donos parece seguir o mesmo caminho.

Digam olá ao seu dono
   De volta ao megalaboratório, agora estamos com Walter e Jesse juntos de novo, sócios, fifty-fifty, e nada mais. A dinâmica professor e aluno passa a conviver com a rivalidade entre dois profissionais, que batem ponto e prestam contas. O tamanho grandioso do cenário faz com que os dois fiquem mais afastados, trabalhando muitas vezes sem nem se olhar, e permite que um se esconda do outro, contribuindo para um clima de desconfiança mútua.

   Mas de todas as características desse cenário, a mais agourenta e simbólica é a cor vermelha do chão. Com o uso de um ângulo de câmera que dá a fria visão de cima para baixo (plongé, na linguagem cinematográfica), nós vemos Walter e Jesse mergulhados no vermelho, símbolo da tentação, da perda da inocência, da violência, do perigo, da morte. A partir de então suas vidas estão manchadas de sangue, não importa o que façam. Quando eles saírem do laboratório vermelho de Gus Frings, eles saíram piores do que nunca...
Não sou especialista, mas acho que não se usa machado pra fazer metanfetamina

 Laboratório número 3- A sua casa
   ... Ou não.
   Onde estamos na história? Sim, Walter White, ou Eisenberg, se tornou praticamente o dono de todo o cartel de metanfetamina, sua amizade com Jesse foi reafirmada, seu câncer continua em remissão, sua vida familiar aos poucos começa a retornar e não há mais nenhuma ameaça em seu caminho. Bem, é isso aí, Eisenberg bateu na porta e a felicidade abriu para ele. Todo aquele papo de vermelho e o mergulho na violência parece papo furado. Bem, não. Pois agora estamos no terreno da ilusão, a ilusão que Eisenberg construiu para si. Estamos no novo laboratório: a sua, e a nossa, casa.
Brasil-sil-sil!
   Depois de fechar o contrato com Gus Fring tacando fogo no laboratório vermelho, Eisenberg começa a procurar por um novo e insuspeito lugar para voltar a cozinhar o cristal azul. E é Jesse que dá a ideia de utilizar um laboratório ambulante, que passaria de casa em casa, através da fachada de um serviço de dedetização de pragas. Já de cara duas coisas interessantes: a relação veneno-droga e o aumento da voz de Jesse diante daquele que foi seu mestre. Agora toda vez que uma casa do subúrbio precisa fechar para ser dedetizada, os dois chegam, fecham o perímetro de um cômodo(em geral, a sala) com uma lona de plástico semitransparente e instalam as máquinas. Eles cozinham e depois retiram tudo, deixando a casa como estava antes.Depois de fechar o contrato com Gus Fring tacando fogo no laboratório vermelho, Eisenberg começa a procurar por um novo e insuspeito lugar para voltar a cozinhar o cristal azul. E é Jesse que dá a ideia de utilizar um laboratório ambulante, que passaria de casa em casa, através da fachada de um serviço de dedetização de pragas. Já de cara duas coisas interessantes: a relação veneno-droga e o aumento da voz de Jesse diante daquele que foi seu mestre. Agora toda vez que uma casa do subúrbio precisa fechar para ser dedetizada, os dois chegam, fecham o perímetro de um cômodo(em geral, a sala) com uma lona de plástico semitransparente e instalam as máquinas. Eles cozinham e depois retiram tudo, deixando a casa como estava antes.
Ambiente familiar
   Aqui estamos numa mistura do trailer de Jesse com o laboratório vermelho, já que a preparação da droga acontece num ambiente doméstico, mas ao mesmo tempo com alta tecnologia industrial. Porém, diferente do trailer, há uma certa perversividade, já que não se trata da casa deles, mas sim da propriedade de outra pessoa. Além de somar mais um crime entre os vários dos personagens, indica como a droga invadiu a vida das famílias, onde muitas vezes há alguém viciado e que esconde isso ou é escondido até. São os crimes de Eisenberg destruindo a sua própria família; é o desejo de Jesse de ter uma família e acreditar que Mr. White é um pai para ele.
Isolamento
   Lá estão os dois, podemos vê-los, trabalhando todos os dias dentro de uma jaula de plástico que torna todo o exterior embaçado, como se o mundo tivesse se tornado uma miragem. Dois homens presos às suas ilusões. E vale ressaltar que aqui Walter e Jesse se tornam iguais em matéria de química, como mostra uma sequência maravilhosa com música em que os dois preparam uma fornada de cristal com movimentos completamente sincronizados. Depois, quando a sociedade entre eles termina, e Jesse é substituído por Todd, sua versão maligna, há uma sequência musical novamente, remetendo à anterior, em que Walter e Todd produzem cristal. A falta de sincronia entre os dois é gritante. Todd comete vários erros e Walter está visivelmente desanimado, fazendo um esforço incrível para recriar Jesse naquele mundo de ilusões. A natureza de qualquer ilusão, contudo, é frágil. Basta uma peça cair e nada mais faz sentido. Walter dá deus ao laboratório de miragens. 
Tarde demais.
DR


Laboratório número 4 - O laboratório da morte

   As máscaras caíram. O último laboratório mostra o que realmente foram todos os laboratórios da série — uma prisão. É um cenário descarnado, cru; um armazém cheio de sombras, desarrumado, o chão com uma cor fosca parecida com terra, mas com menos vida ainda. Parece muito mais vazio do que todos os outros laboratórios. Desolado. É o final da série, os personagens encaram a verdade por trás deles. Quando Walter White e Jesse Pinkman se reencontrarem, verão um ao outro como pessoas, sem mentiras, não mais professor e aluno nem pai e filho. E alguns encontrarão a liberdade, outros... bem, talvez. Mas todos encontrarão a verdade. No half-measures.

Menção honrosa - O laboratório na casa da tia de Jesse
No programa educativo de hoje, aprenda a fazer drogas em casa
   Como foi breve sua participação como laboratório da série, eu preferi não colocá-lo na narrativa da minha análise. Eles cozinham no porão da casa que Jesse herdou da tia, porque o trailer estava sendo vigiado ou algo assim. De certa forma é uma extensão do laboratório no trailer e representa um mergulho de Walter na vida de Jesse, se tornando uma figura familiar do rapaz. É o final da primeira temporada e agora nós já conhecemos mais de Jesse e seu passado. Contudo, esse laboratório tem uma importância crucial na série. É onde a metanfetamina azul faz sua primeira aparição. O cristal que vai despertar a cobiça de todo o cartel.